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Mostrando postagens de 2015

Cavalgada dos Ratos

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Usavas um vestido de neblina na noite das bruxas, fantasiada de noiva-cadáver. O tempo e o espaço por testemunhas do enlace desgraçado: que filhos irias parir na noite densa e cheia de culpa? Bebês com patas de cavalos? Deuses vikings desossados? Cavalgadas de ratos corriam sobre o teto, deliciavam-se com o veneno escondido nas roldanas das janelas. Mas não morreriam.   Eram feitos de chumbo e sonhos de valsa. Falsos. Fakes. Ignaros. Os parentes mortos, no lugar dos vivos, empalados nos porta retratos. Os vizinhos sentavam-se à janela para apreciar a noite de luar prata e um parrícidio em câmera lenta. Teias de aranha esticadas entre as quilhas da cozinha para o malabarismo dos insetos. Chamavas os filhos pelo nome de flores: girassol, margaridinha-branca, coroa-de-cristo, cravo, crisandália e orquídea-azul. Não lhe cortavam nem as unhas dos pés, prá obrigá-la a andar de quatro. Imagem: Irena Schrul

baralho de cartas & unicórnios azuis

 baralho de cartas & unicórnios azuis a lua vestiu-se de veludo azul  e desceu aqui na terra montada num rinoceronte branco: veio inspecionar o seio das sementes que não germinaram na última primavera. entre abricós-de-macaco e limas da pérsia, flores de maracujá e orquídeas lilases;  alguns milênios passaram-se aos trambolhos; asteróides do desespero emaranhados  em anéis estelares, dramas interplanetários, homens engolidores de fogo, e mulheres cortadas ao meio. o mágico chinês fechou seu baralho de cartas atirou-o no espaço e saiu desabalado em sua carruagem puxada por unicórnios verdes-água.  dobrou e guardou no bolso do fraque, a última pomba da paz, o último lenço de adeus acenado aos puros de coração que morrem sozinhos, nas praias do abandono.

BALADA LITERÁRIA:LANÇAMENTO VIRTUAL DO PRATO DE CEREJAS

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Amigos e amigas, queridos: eu me comprometi que faria um "esquenta", antes da 20 horas, que é prá dar tempo de esperar os nossos colegas autores, que não têm acesso ao facebook, durante o dia, chegarem do trabalho e se juntarem a nós. O dia, claro é de muita festa, e começou muito agitado. Como a maioria de nós autores, aqui, na média, passa dos quarentinha, portanto é tudo imigrante digital, levamos alguns sustos, ontem, quando fomos informados que os livros (e-books -- ainda não me acostumei com essa palavrinha) estavam prontos e disponíveis nas megastores. Claro, que corremos prá elas, prá tentarmos ser os primeiros compradores e leitores dos nossos próprios livros, e, assim, conferir se estava mesmo tudo certinho, como haviamos entregues aos editores da e-galaxia, responsáveis pela plataforma digital e a distribuição no mercado. No começo, foi um susto. alguns que procurávamos, não apareciam. Outros, apareciam sem capa. Outros, ainda, completamente desformatados,

Viagem nas costas de um cavalo-peixe

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arreio o meu cavalo-peixe calço botas e esporas, e arranco pelas planícies campinas e pastagens do Brasil central; os goianos têm fala mansa e fama de bons amantes mas deixo minha cama ainda quente, em busca de outras terras onde possa deitar minhas sementes. os pastos estão secos, esturricados o gado já não dá carne nem leite. é tanta poeira que os meus olhos se tingem de sangue neste agosto bruto, vestido de vermelho, no sol poente.

Ventre de Vênus

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mergulho em ti na noite rosa e  retorno à tona com minha boca cheia de escamas dos peixes líquidos, engolidos a cada amanhecer: lençóis de algodão, umbigo oleoso & piercing inflamado teu corpo se desenrola prá mim em pergaminhos de tatuagens florzinha passarinho dragão  São Jorge anjo  foice martelo os desenhos flanam na superfície da sua pele e desembarcam nas planícies ao sul de Creta; como um Ulysses cansado da guerra, você dorme enrodilhado em concha, sonhando com o ventre de Vênus. no outro dia, o bárbaro se levanta disposto a navegar os mares bravios, outra vez. beija-me os mamilos, e deixa-me outra vez à espera dos peixes líquidos, de escamas coloridas que virão do fundo do oceano, enroscar-se nos meus lábios-anzóis, onde tatuei a palavra boca Imagem: Alessia Ianetti 

Casa de abelhas

Florzinha de macela se enrosca na palavra frágil de arame. Ao fundo, as montanhas soberbas em sua perenidade. Flores e pedras se compõem nos mistérios do outono. Tecem os cabelos da memória. Evocam lembranças dos homens que tocavam rabeca embaixo das janelas mineiras. "Minas não há mais", diria Drummond. Tem razão o poeta. Só restaram pedras e homens. Escravos. Escravas. Libertas quae sera tamem, agora é só uma frase, bordada em panos que já tremularam no alto dos mastros e dos corações valentes. Do chalé recortado no topo do morro, restou a brancura solitária na paisagem fria. Agora, silencioso e tácito, é abrigo de abelhas africanas. O cachorro aspira o cheiro adocicado no ar. Enfia o fucinho debaixo da porta. Sente o zum-zum-zum dos ferrões libidinosos. Fora, os galhos ensandecidos da primavera constroem um aramado de flores sobre o telhado. Eu crio coragem e entro na casa. Abro suas cortinas de teias de aranh

Poema para Plutão e Richard Harris

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plutão em trânsito com Saturno, ostenta, exibido, suas quatro luas nos céus,   e eu aqui pendurada no lustre,  treinada por  malabares exóticos,  enquanto o rinoceronte azul dorme e ronca no sofá da sala. Richard Harris sussurra uma canção no meu ouvido e eu volto num tempo em que nunca vivi _ passado e presente se confundem nas telas oníricas dos meus sonhos. Não sei quem eu sou, ou onde estou se tudo já passou, ou não. Grão de areia entalado na ampulheta, esquecida sobre a mesa. [poeira cósmica crisálida aranha enroscada na teia] estou acuada na garganta da vida alguém retirou as baterias do meu relógio biológico pregando-me uma peça de muito mal-gosto e eu não sei mais o que fazer : titereiro do meu próprio destino, minhas mãos  -- hoje -- acordaram com artrose Imagem: I give you my heart Adrian Borda

MEMÓRIAS AZUIS

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MEMÓRIAS AZUIS (há dias em que é preciso ter um cemitério de peixes lá no nosso fundo. abismo. não deveria ser assim, esse tumulto. fomos lançados contra o tempo futuro, nos  entregamos sem saber, sem sentido. talvez nossos encontros sejam feitos de memórias  vencidas.) Renato Silva No abrupto mar azul de nossas memórias, alguma coisa explode em chamas. Uma mulher pegando fogo no meio da rua. Um labirinto de borboletas esvoaçando em torno do nada. Tudo evanescente. Etéreo. Incorpóreo. Pele subrreptícia, que não adere. Ferida que não cicatriza. Andamos em paralelas que nunca se cruzam, nem se tocam. Andamos em círculos, até chegar à beira da catástrofe. Até ultrapassarmos todas as fronteiras da tragédia. Até nos lançarmos sem paraquedas, em direção ao buraco negro que nos habita.  Só o nosso umbigo, no mapa de nossa vã existência. E depois um vazio. Um deserto de esqueletos atrás das portas. Um ex-grão de areia no universo, visív

Não-diálogo

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você me chama prá te ajudar a colher pinhões eu levo a câmera fotográfica e um cachorro por testemunha. Nada mais há entre nós, senão o som das castanhas caindo das araucárias; o silêncio chiado das folhas, amassadas pelo salto das minhas botas em passos nervosos, num andar desajeitado de quem faz pose de que não está nem aí; você brinca com o cachorro; instiga-o a procurar lobos em pele de carneiros; ensina-o a comer pinhões crus e eu ali, sem saber o que fazer com minha câmera profissa: -- se tiro um retrato 3 x 4 de nós dois e mando providenciar os papéis do divórcio; ou se balbucio um desejo de abraço. uma vontade de me atirar ao seu pescoço, mas tudo o que consigo é gritar-lhe a minha raiva pois você não entende mais os sinais do meu corpo parece que agora estou escrita em braille e você não quer  mais aprender novas lições de amor; o facão faz zipzap no matagal; seu braço forte vai derrubando samambaias, pequenos ar

Solstício de inverno

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                                                                              Para João Cabral de Mello Neto Na noite mais longa do ano os galos tecem com seus cantos as pontas soltas do alvorecer. A madrugada tem todas as cores                [do arco-iris] mas a música que chega aos meus ouvidos vem de um profundo lamento: das mães que choram a morte de seus primogênitos. Os galos pintam rosáceas na abóbada do céu. De suas esporas, pingam gotas de sangue. 

O TEMPO NO ESPELHO

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                                                                                              Para Octávio Paz  O tempo é um homem descabelado, à beira do abismo,  com um pé no passado,  e outro no futuro, em pleno vôo cego, em direção a morte,  ao não-tempo, às sombras que brincam de esconde-esconde  entre as passagens secretas do sol e da lua.   O tempo é uma mulher desesperada,  que pare um filho atrás do outro, arrancando-os de si mesma, e matando-os,  antes que dêm o primeiro choro; uma mulher que tenta, sozinha, despovoar o mundo,  com seu gesto tresloucado. O tempo é um homem e uma mulher,  que nunca se encontram; que vivem escondidos  entre as dobras dos sinos, e as sombras da noite,  que se amam, mas nunca se tocam. Por isso, eles incendeiam o sol,  apagam as estrelas de todas as galáxias,  amaldiçoam os que nascem quando os ponteiros apontam para o infinito;  revolvem as entranhas da terra,  e atiçam as fúrias dos mare

Água para borboletas

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"Eu sou quando e depois...                                                                                ...   falo em águas”.     (Manoel de Barros) Eu ainda acabo tendo um destino de árvore: de tanto ficar sentada feito Buda, não vou morrer, vou criar raízes. Olho pela janela e vejo o dia dezaluzando lá fora. Tenho que entrar no site do banco e pagar um par de contas: do telefone, da energia elétrica, do gás. A prestação das meias que comprei pro inverno do ano passado e que nunca usei. Os moletons que importei da China pelo site muambeiro e que também ficaram guardados, pois quando aqui chegaram, já fazia um verão de 42 graus.  Os grilos já pedem carona lá fora, prá irem prá casa, no lombo das borboletas e eu aqui, sentada sobre a minha dor de pagar contas de coisas que não prestam nem prá fazer poesia.  Não se pode usar moletons como sementes de estrelas. Bois não vestem meias. O inverno do ano passado já virou água no calendário da minha mesa e escorreu p

ANJOS DE PLÁSTICO

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Na tarde vazia de varais e lençóis os azuis de anil  não resistiu à saudade e escorreu pelas portas e vidraças --fechadas – dos apartamentos. A tarde continua a mesma dos antigos tempos, brincando de desfiar cortinas de plástico prá enganar o sol, no fim do dia. Mas os carros nos engarrafamentos matam seus motoristas engasgados com a fumaça, cegam os seus olhos e murcham os seus corações para qualquer paisagem que não seja o caos                        __cinza concreto prédio buzina __ ninguém mais enxerga asa de anjo que se abana sentado na mureta do rio, mirando o pôr do sol. Homem da cidade grande des-vê. Imagem: Adrina Borda

Fidelidade canina

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Pelos caminhos íngremes da mata o pássaro planta estrelas durante o dia prá vê-las coreografar um baile de luzes ao entardecer. Os grilos, que nasceram para brilhar à noite, sonham cavalgar pelo mundo em asas de borboletas. Enquanto isso, um cão espera pelas minhas migalhas de afeto, embaixo da minha mesa. Queria ter nascido pássaro grilo borboleta, mas é a fidelidade do cão que eu invejo. Imagem: Christian Schloé

Gato Sádico

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um  gato sádico  com bigodes de borboleta mastiga as asas de um pássaro. nesta noite negra e sem pontes -:não existem barcos para fazer a travessia entre o nascer do sol e o poente. encho meu copo de champagne paraguaia e me visto com as asas bufantes da cigarra e seu corpete de veludo  verde-alemão. o violeiro ensaia uns acordes  de um rock & roll vintage, disfarça o desejo com o panamá de lado e eu canto e danço na chuva, enlameio meus sapatos brancos só prá sujar os bancos do seu carro novo. quero te fazer pirraça,vou te trancar na sacada,  te derrubar da escada, vou secar a àgua da sua fonte. Mas tudo o que consigo é sentir pena da tua cara de tédio; da tua t-shirt rasgada, do teu pijama sem elástico, da tua cerveja quente, do teu mastro a meio pau, malemolente. Imagem: Ray Caesar  Camburi, Dezembro, 20 a 31 de 2014.

Carta à memória dos peixes

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O navio estalando em chamas em alto mar, a fumaça enovelando-se em direção às montanhas, o berçário dos peixes morto antes do nascer do sol. O menino se joga da ponte, e estatela-se no chão duro. Rio não há mais.  Lago, também não. Agora tudo é terra batida.  Fenda.  Rachadura. As mãos esquivas assinam contra-cheques para pagar o serviço que não houve. O funcionário que não trabalhou. O fiscal que subornou. Em vão me debato nessa rede de ratos e mal consigo respirar, dentro dessa fumaça preta. Tudo é cisco. Fuligem. Restos de metal. Cheiro de coisa morta, no ar. Os flamingos não mudarão de cor neste verão. Não haverá por do sol desfraldado no horizonte, neste amanhã, que nunca deixou de ser ontem. Eu escrevi uma carta à lápis para o meu futuro. O tempo apagou-a.  As letras ficaram borradas. Entre eu e a carta existe, agora, um segredo indecifrável que mora nas memórias

INCOERÊNCIA

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Se não há bem que nunca termine, então o mal que se veste de bem e me alicia um dia desistirá de seu cortejo macabro e me abandonará a minha própria sorte. Quisera  ser esquecida pelo meu próprio destino, quisera perder os meus documentos, o endereço, a memória, quisera. Não saber nada mais, menos ainda de mim mesma. Quisera ser uma estrela cadente debulhada em micro-pontos de luz a demarcar o meu caminho tracejado nesta terra oca, sem perfume, sem vales ou despenhadeiros, onde tudo é redondo e finito, menos as águas azuis dos teus olhos-lagos, em cuja borda infinita me abandono sempre ao cair da tarde, vestida com camisolas tecidas com nuvens , cabelos trançados por um vento velho, carcomido arqueiro do tempo, cujas flechas já estão sem pontas e cegas. Enfrentei, nua, o frio úmido do teu coração atravessando descalça as aléias do outono. Amassei com meus pés as folhas e flores  caídas, cheias de espinhos. Não acreditei no

Por um punhado de serpentina

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Por um punhado de serpentina Contemplo no espelho de tuas retinas meus últimos dias de juventude e decido que não deixarei que os nós escabrosos da velhice desabrochem em cada articulação do meu corpo, que ranjam a cada passo de dança que eu ainda queira dar em busca de algum sorriso no meu rosto, ainda que desenhado para uma noite de carnaval,  talvez em Veneza. Mascarada,  quero beijar todos os lábios do mundo que ousarem abrir-se em minha direção. Não hesitarei em copular até com as abelhas, se houver uma crise de mel para abastecer as cidades e com os corações partidos, loucos e despedaçados por um punhado de amor. Venha, tire essa fantasia rota, mal-cheirosa, de carnavais antigos, onde as colombinas  e pierrôs se perderam pelas ruas e avenidas da solidão, depois de cada baile da vida. Venha sambar comigo, no cordão dos desgraçados, pois que de tragédia é feita a nossa vida. Por isso, eu me visto de comédia.

Blindagem

Eu não desisto nunca de bater nas portas  do amor.  Mas, ultimamente, de tanto bater em portas erradas, estou tendo que usar roupas blindadas.

Epifania

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EPIFANIA Contigo aprendi uma nova palavra poética: geografia. Dos mares, dos desertos, e até dos insetos.  Eis que descubro que tudo se move e se abre a minha passagem. Do Mar Vermelho ao Mar Cáspio, tudo é estrela e desolação. Mesmo fechada em copas, aturando a dor das sementes, o meu corpo ensaia passos em mil direções. Pisa em falso. Trapaceia. O meu cérebro se esfacela em miolos de pão. As minhas emoções cascateiam lágrimas. Quero viver a epifania da descoberta, mas os ventos lunares enchem minha boca de areia arrancam a cauda dos dragões chineses, viram yin e yang até que bordem a palavra harmonia em seus uniformes; despetalam o leque das gueixas que fazem greve de sexo na antessala do prazer. Tempos de mistérios gozosos. Arranha-céus de poeira. Clichês de amor tatuados em frases debilóides pelo corpo. Acupuntura, moxabustão, florais de bach, cada cuidado com o meu corpo vem das religiões do Oriente, agora, de joelhos para o Ocidente. Os homens com olhos de traços têm a