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Mostrando postagens de abril, 2015

Carta à memória dos peixes

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O navio estalando em chamas em alto mar, a fumaça enovelando-se em direção às montanhas, o berçário dos peixes morto antes do nascer do sol. O menino se joga da ponte, e estatela-se no chão duro. Rio não há mais.  Lago, também não. Agora tudo é terra batida.  Fenda.  Rachadura. As mãos esquivas assinam contra-cheques para pagar o serviço que não houve. O funcionário que não trabalhou. O fiscal que subornou. Em vão me debato nessa rede de ratos e mal consigo respirar, dentro dessa fumaça preta. Tudo é cisco. Fuligem. Restos de metal. Cheiro de coisa morta, no ar. Os flamingos não mudarão de cor neste verão. Não haverá por do sol desfraldado no horizonte, neste amanhã, que nunca deixou de ser ontem. Eu escrevi uma carta à lápis para o meu futuro. O tempo apagou-a.  As letras ficaram borradas. Entre eu e a carta existe, agora, um segredo indecifrável que mora nas memórias

INCOERÊNCIA

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Se não há bem que nunca termine, então o mal que se veste de bem e me alicia um dia desistirá de seu cortejo macabro e me abandonará a minha própria sorte. Quisera  ser esquecida pelo meu próprio destino, quisera perder os meus documentos, o endereço, a memória, quisera. Não saber nada mais, menos ainda de mim mesma. Quisera ser uma estrela cadente debulhada em micro-pontos de luz a demarcar o meu caminho tracejado nesta terra oca, sem perfume, sem vales ou despenhadeiros, onde tudo é redondo e finito, menos as águas azuis dos teus olhos-lagos, em cuja borda infinita me abandono sempre ao cair da tarde, vestida com camisolas tecidas com nuvens , cabelos trançados por um vento velho, carcomido arqueiro do tempo, cujas flechas já estão sem pontas e cegas. Enfrentei, nua, o frio úmido do teu coração atravessando descalça as aléias do outono. Amassei com meus pés as folhas e flores  caídas, cheias de espinhos. Não acreditei no