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Mostrando postagens de maio, 2014

DIÁLOGO COM DRUMMOND II

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Em minhas memórias, revisito seu quarto, escondida de mim mesma. Ficaram os armários com suas portas escancaradas e um cheiro de cigarro, insuportável. Encontro uma concha marinha sobre a cômoda, encosto-a ao ouvido e ainda ouço uma sinfonia de anjos barrocos tocando a melodia das coisas que sonhamos juntos e que não aconteceram. Sonhos solitários, perdidos entre nossos beijos e sexos, sem alma nem matéria que lhes dessem forma. Vasculho gavetas e deparo-me com cartografias de projetos inconclusos, um punhado de grafites e lapiseiras sem pontas. Encontro a velha luneta que usávamos juntos, prá observar partos de estrelas da nossa varanda. Aponto-a para o céu e Aldebaran ainda está lá, com uma guirlanda de flores em seu portal, aguardando nossa chegada. Na minha escrivaninha, ainda tenho a ampulheta que você me mandou de presente num dia ensolarado e muito azul, de qualquer setembro. Nunca soube o que fazer com ela, mas trago-a comigo nesses anos em q

ÚLTIMA MORADA

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A morte te salva no último dia do ano,  de um leito de hospital. Te veste com  as túnicas transparentes   de tua adolescência, te penteia os cabelos sedosos, agora brancos, e os enfeita com cachos de primavera. A morte te pega pelas mãos e te convida para um último passeio, pela cidade que te viu nascer: passeiam de mãos dadas pela Av. Paulista, sob uma chuva de fogos de artíficio. Sentem a respiração ofegante  dos últimos atletas da São Silvestre. A mesma cidade que não sentirá mais a palma dos seus pés macios, a pisar-lhe a alma de leve, desmaiada sobre parapeitos de janelas abertas, nas madrugadas insones. Agora, levitas nas asas do vento,  aspiras ao cheiro dos ipês roxos, floridos só para a tua passagem.   Negra é a noite que se descobre, pra te acolher no seu leito pétreo. Seus cabelos sedosos são soprados para sempre,                    es pa lha dos pelos quatro cantos da cidade,   que te embalou no teu berço-árvore,

Signo de Capricórnio

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Signo de Capricórnio Nasci filha de capricórnio: um bicho estranho que sobe escarpas e também nada nos mares. Não acredita em atalhos e escolhe os caminhos mais árduos. Cabeça dura. Chifres pontiagudos. Não tem papas na língua, nem compactua com a injustiça. Morre de saudade, mas só caminha prá frente. No seu vocabulário, a expressão voltar atrás, foi riscada com a ponta de uma estrela cadente. Não coleciona sofismas, só conchas do mar: estranhos bichos que já habitaram águas, mas aguardam a ressurreição nos desertos dos corações. Capricórnio é um signo que move montanhas, tamanha sua determinação, mas descansa no fundo dos vulcões dormentes. Seu sorriso é de festa, mas carrega, escondido, um colar de lágrimas, entre os seios. Não acredita na sorte, nem em destino: estuda engenharia prá aprender a fazer mapas e desenhar estradas. Gosta mesmo é de carregar tijolos, prá construir casas, mas, nas horas vagas, se aventura é com jogo de palavras. São Paulo, maio de de 2014.