Postagens

Mostrando postagens de 2010

Afogados em desespero e luz

Quando mergulhamos, afogados em desespero e luz, teus nós, tuas pontas soltas, teceram rios em mim.

Reflexos

Foge sonho fugáz Desfáz a cor da face das figuras presas nos vitrais.Encante a noite macabra, empunhe a cruz irônica, o sorriso sarcástico e o gesto contundente. No olhar e na boca, o desejo e a ordem cobram impostos. A esmola anônima nas mãos, um deus maldito no ventre. Na alma, um micróbio ancestral.

Em um país insolúvel

Imagem
  Em um pais insolúvel despejei meu envelope de chá: - nenhuma semente vingou, nem jamais vingará.

Alvíssaras

A manhã lava o rosto em lágrimas de sol sombras calam o verde o mundo engasga-se (com a vida) Um estômago universal dilacera as vísceras atravessadas na garganta do mal. a fumaça expira bafos amargos. (a cinza é o excremento da dor)

Hoje eu esfaqueei o meu anjo da guarda

Imagem
Hoje eu esfaqueei o meu anjo da guarda. Ele que me abria as asas todas as manhãs prá me proteger dos cães famintos, sempre no meu encalso. Hoje eu esfaqueei o meu anjo da guarda. Ele que salpicava pétalas em todos os buracos do meu caminho prá que eu jamais pisasse em falso. Hoje eu esfaqueei o meu anjo da guarda. Ele que me trazia um guarda-chuva chines sempre que o céu escurecia ameaçando-me molhar os cachos. Hoje eu esfaqueei o meu anjo da guarda. Ele que que me adoçava o céu da boca com pedaços de pudim de pão, encharcados de mel  e beijos lânguidos. Hoje, eu esfaqueei o meu velho anjo da guarda, já meio roto, fétido, alquebrado. Estava cansado o meu anjo da guarda, das minhas tempestades de vento e de se equilibrar, tênue, sobre as minhas areias movediças. E resolveu cruzar os braços.

Tatuagem da separação

Imagem
Hoje acordei tatuada. Tatuada com a marca da separação. A espada afiada da ignorancia ceifou os longos anos de construção de um amor. Hoje estou tatuada com a dor da separação. Amputada. Foi-se um pedaço de mim. Não tenho forças para sair da cama, nesta primavera fria e chuvosa que já cai pelas beiradas de outubro. O tempo, maestro de sonhos, não quer mais reger essa orquestra sem músicos, onde a bailarina é manca. Decepada. A bailarina do amor tem os pés amputados. E sangra.

Agora, é sempre assim

Imagem
Imagem: Annabelle Verhoye Agora, é sempre assim: acordo com a luz do outono arranhando as janelas. Abro os olhos e vejo a sombra da dor, se escondendo atrás da porta, no canto esquerdo do espelho, debaixo do tapete. Tento erguer-me da cama, mas não tenho forças para mais um dia, sem alegria. Os joelhos fraquejam, calcinados com a memória das estradas. Longas.Sinuosas. Poeirentas. Traiçoeiras. (Os sinos de vento soluçam lá fora) Abro as janelas e deixo a luz da manhã  ensolarar o meu quarto.  Devassa, ela se deita com os meus lençois, se abraça com os meus travesseiros. Anos de solidão e desespero talharam a armadura, colada ao corpo. A porta da prisão está aberta, Mas a prisioneira encantou-se pelas muralhas.

As quatro estações do amor

I Um era o selo. O outro, a carta. Um ar cúmplice, de correspondência certa, os unia. Um era o trem,o outro, os trilhos. Um era o pão, o outro, a faca. II Fazíamos pic-nic na cama, todas as manhãs com a cumplicidade do chinelo às panelas. Num bolero de Ravel,tudo era riso e festa, entre biscoitos e cobertas. Agora, se te pego rindo, você me pede desculpas e diz que não foi nada. III Hoje, fico a espera de um outro homem, vindo não se sabe de onde. De outra galáxia, talvez. Numa espaçonave azul-esférica. De uniforme branco, resplandescente. Um homem sem emoções, que me mate de prazer e dor, sem me amar. Porque ser feliz é muito chato! IV No vaso, as flores estão secas. O batom escorre pelos cantos dos lábios, também secos. No espelho, o poema não resistiu a tanta saudade. Não sobrou nada. Nem um fio de barba na pia do banheiro, nem uma navalha na carne. A casa já não rescende mais ao cheiro de Omno e incenso. Está morta. Ir