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Mostrando postagens de 2013

Tereza

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Tereza trancou  as portas de seu passado, mas não conseguiu abrir as do futuro: enclausurou-se,  para sempre numa vida de faz-de-conta, chamada presente.  Imagem: Art and Ghosts

Retrato da rotina

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E vamos ficando por aqui,   como se a vida fosse apenas       --o momento-- de uma fotografia. Um diálogo jaz suspenso no ar.  No fim da noite as línguas estão cansadas, os olhares presos dentro de garrafas  -- vazias-- Copos sobre a mesa refletem bocas  -- murchas --  e mãos caem dos braços, ( já velhos) Imagem: The Old Man, by Van Gogh 

Passageiros de última classe

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À sombra de nossas rugas, descansamos, exaustos. Passageiros peremptórios. O tempo -- nosso guia -- caminha a passos rápidos e não nos espera: viajantes de última classe, eis o que somos.  Imagem: Caras Ionut

Insônia

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Nesta hora de insônia o silêncio é algoz de mim.  Tateio seu corpo diáfano: fantasma incólume,  escorrega-me entre os dedos. Habita-me um dicionário          (em branco) Fotografia: manipulada por Liliana Sanches

Flor do desejo

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o relógio desperta as horas                                   (da agonia) o dia, uma voz anacrônica, me revela: não adianta tapar o sol com a peneira, os sonhos escapam pelos furos. há que se levantar                            ( a poeira) vestir a armadura e caminhar lentamente com a flor do desejo                            morta no bolso da lapela. Imagem: Caras Ionut

Viagem prá China

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num canto da mesa a chícara de chá espera seu tardio parceiro nas costas de um caracol (submarino?) sobrevôo o globo terrestre saudados por mandarins amanhecemos na China nas costas de um dragão vermelho o blue não é mais azul, mas tem gosto e cheiro de anil (ah! os lençóis branquinhos que mamãe lavava e os estendia na grama do quintal) à distância são lenços de adeus Imagem: Yoko Furusho

Cadafalso

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Novembro com manhãs enevoadas,  quentes, e tardes amarelas. Eu flutuo entre as horas do dia,  sereia espremida num aquário trincado,  só esperando que suas paredes de vidro  se espatifem ao meu redor. A tensão cresce no meu peito e não há música capaz de expressá-la.  Quero dançar,  mas o espaço exíguo  limita meus movimentos.  Estou dobrada e amassada,  à beira de um cadafalso. Imagem: Adrian Borda

Flor-de-Lotus

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A flor-de-lótus era branca e crescia nos seus pulmões. O ar, cada vez mais rarefeito. As paredes ao seu redor, fechando-a, em uma redoma. Estreitavam-se. Cobriam-se de heras e teias de aranha. Em seu leito de morte lia Sartre, mas ainda acreditava no amor. A mulher e sua flor-de-lótus branca. Um dia, a flor-de-lótus estendeu seus galhos ao leste, e penduradas neles, nasceram estrelas cadentes. A mulher sorriu. E entregou-se à música que,  nua, dançava, e se enroscava, em seus pulmões. Imagem: Christiane Vleugels

Sinos de Vento

Neste outono cinzento e frio, dobram os sinos de vento que você pendurou  nas varandas do meu coração. O som adocicado, assoprado pelo roçar dos leques desperta a ternura dos anjos. Em bandos, eles vêm vigiar o meu sono, inquieto, ou espreitar os meus pesadelos, mais funestos. Sonho com pássaros ardendo em chamas. Flores abrindo-se em pétalas, feridas. Mil-cores desmaiadas pelas aléias dos meus jardins,   mim interiores. Uma mulher imponente, surge numa biga romana, puxada por porcos. Vestida de negro, uma condenada se debruça sobre uma ossada (clandestina) e recolhe artelhos femures crânios braços antebraços joelhos Arruma-os num carrinho de mão e sai a empurrá-lo pelas ruas de Belém, com a indiferença cúmplice de toda a cidade. Um homem nu, vem ao meu encontro, montado em um cavalo vermelho com uma máscara de canibal. Mas o sonho mal não termina ainda: os homens do frigorífico me arrancam nua da cama amarram meus braços e tornozelos, e me enfiam num varapau. Me exibem como um

Transparências

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Chegaste lívida,  vestindo transparências de nuvens: teu rosto esculpido em pedra. Teus lábios enrigecidos,  desenhados com o carvão da noite. Mãos trêmulas. Voz rouca tentando romper o silênciodas horas.  Mãos vazias de flores.  Gestos inúteis. Singramos tantos mares, juntos, e acabamos à margem, um do outro.  Imagem: Christian Schloé

Medusa Abandonada

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                                                                                      (Para Rosangela e Evandro) Meus cabelos enovelados de Medusa  cresceram em todas as primaveras em que não me habitastes com seu perfume de amaranthus. Os pássaros que se aninhavam em meus galhos, perderam suas moradas    e se desnortearam, sem destino, sem leste ou oeste. Eu te esperei à barranca do rio, tecendo tapetes para enfeitar tua nova morada, cerzindo tuas roupas,  limpando peixes, cultivando um jardim  (imaginário)  de margaridas. Todos os dias te vislumbrei, vestido de vermelho, amarelo e rosa, chegando em cada por-do-sol que contemplei de minha janela, com olhos rasos de lágrimas. Via sua barca solitária,  apodrecendo, docemente, sem nenhum lamento,  desde sua última partida, às margens do rio caudaloso. Não viestes. Mais uma vez, quebrastes tua promessa de visitar-me na chegada da

O cão em eterna vigília I

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I E o cão fez vigília à minha porta, na noite escura. Tentei acender uma fogueira de gravetos, recolhidos durante a jornada, mas eles estavam molhados. O vestido branco bordado com poemas, não me serve mais. Caminho nua. em meio à tempestade. O barqueiro passa ao longe com seus lampiões acesos no convés, mas não me enxerga na noite densa. O anel de pedras coloridas ainda brilha no meu dedo indicador. Ele poderia ser a minha bússola, mas não é. Imagem: Remédios Varo

Sobre cobras e precipícios

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Joana tinha medo, mesmo, era de raposa.  Trancava o galinheiro, todos os dias,  as seis da tarde.  Pendurava o rastelo atrás do curral.  Do abismo, não tinha medo.  Terminada a lida do dia,  levantava as saias, acima do joelho, e sentava -se à soleira da porta. Punha-se a contemplar o nada.  A poeira. O Vazio.  Com as cobras, não se importava, não.  Essas já nascem criadas.  Bom mesmo, seria ter nascido amiga do rei.  Mas isso, só em Pasárgada.  Ilustra: William Whitaker

O vôo da bailarina azul

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o fio de azeite queimado não conduz mais o fogo ao bico da lamparina. A chama está acesa, azulada, mas não brilha, mais.  Apenas, projeta a sombra da bailarina azul   que escala as paredes do meu quarto: e,  busca  -- desesperadamente --   um ponto de fuga.  [         ] uma janela, quem sabe, se abrisse na escuridão da noite e a bailarina azul pudesse se lançar para o abismo, certa de que não teria asas para ampará-la em sua queda,   vertiginosa e triunfal. Mas a bailarina,   luz de candeia, é manca e não voa:  apenas,  bruxuleia.  Imagem: fotografia em branco-e-preto Autor: não-localizado

A flor do sexo

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A flor do  sexo estendeu seus galhos ao leste: - nasceram estrelas cadentes. Imagem: Christian Schoe

Chuva da madrugada

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         Chuva da madrugada         - abençoada - me cobre com seu manto molhado: penetra-me nas carnes sedentas de amor, sonolentas e insones, que nesta noite recusam-se a habitar o reino dos sonhos. Trás a calma das estrelas e a luz de outros sóis, que visitastes em suas viagens siderais. Invade-me o meu bosque interior e lava-me as entranhas, perfuma-me os travesseiros e os lençóis; desmancha os meus cabelos, desvela-me os seios, em sacrifício. Oferece-me  aos guardiões das madrugadas, antes que se abram os portões do Sol. Nesta noite de vigília, oh, chuva, lava-me a alma ferida de morte, e resgata a flor, já murcha, da minha esperança.   Imagem: Water Woman Mermaid by Adrian Borda   São Paulo, 05 de Julho de 2013.

O gigante acordou

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                                                 (Para Flavio Ferrari, Kito Correa, José Ruy Gandra e Armando Syllos) Catarse. Um país expele o polvo que trazia, engolfado em seu ventre. A renda do vômito alcança tudo e todos. Atônitos, os zumbis andam dias e noites, incansáveis, gritam palavras de ordem e progresso. Outros, pedem a volta da Varig. Como hebreus em busca da Terra Prometida vagueiam, ao léo, sem rumo certo, e no caminho: - ateiam fogo nos monumentos históricos; -asteiam bandeiras de todas as cores. Us querem passe-livre para ir e vir, sem saber de onde, nem para onde, ou para quê. Mas querem ser livres esses homens de boa vontade, querem dizer adeus à indiferença e mordaças de seus governos. Querem ter filhos negros, de olhos azuis e meio japoneses. Com seus maridos e maridas, sem a interferência do Estado ou a língua solta de qualquer vizinho desavisado. Ah, esses homens sonhadores, que comem os restos do diabo no prato da esquizofrenia

Noiva cadáver

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Dirijo dentro da noite veloz. Fumaça. Carros. Ciclistas atropelados. Pelo retrovisor, vou deixando prá trás todas as ilusões. mas, a esperança ainda me alcança pelos cabelos, com seu braço longo. Noiva cadáver, arrasto os sonhos amarrados no párachoque,   pendurados pelas ruas, enquanto fujo dos teus abraços. Enfrento o frio da noite e os fantasmas da dúvida. Estrangulo os filhos da culpa. Entro   num túnel de estrelas, mas desapareço na escuridão. A velha desdentada me agarra e me embala feito criança parida na calçada. Ela   me abraça e me conta os seus segredos. Me cobre os seios. Tapa as minhas vergonhas. E decreta o meu desterro. Imagem: Adrian Borda

Chuva de arroz

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 O espírito de Da Vinci baixou por aqui, numa tarde de outono qualquer. Os chineses invadiram os céus com suas máquinas voadoras: submarinos, bicicletas, helicópteros. Flores e pássaros espocaram nas paredes do tempo. Pipas coloridas pelos ares. Leques. Arlequins. Chuva de arroz. Tuas mãos brancas tirando as luvas. Despindo os anéis, pulseiras, amarras. Minhas mãos espalmadas nas tuas nádegas. Gosto de figo fresco na minha boca. Imagem: Ca Guong Quing

Requiém para um poeta e seu cavalo branco

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 N 'oubliez pas votre cheval - by Lisa G. Pedra azul. Ajoelho-me diante de ti e te sinto fria. A noite pega-me pelos cabelos e arrasta-me até o centro da Terra. De ti quero somente esse beijo com o gosto gelado da morte, o andar trôpego de bêbado a embarafustar-se por latas de lixos e pesadelos alheios. Noite cega. Ponte de nós. Que nada somos. Estrelas cadentes de nós mesmos. Nesse ritmo melífluo, luzes ofuscantes de neóns embaralham-me a visão, enquanto singro todos os asfaltos molhados. Não encontro o pote de ouro, no fim do arco-íris.   Destonado. Destronado. Desfigurado. Espreitam-me as flores de um buquê já murcho, cansado de exalar o perfume dos rododendros.   Pálidas velas desvelam o meu cadáver ambulante. Caminho, cambaleante, com um archote aceso na mão esquerda. Na mão direita, trago o punhal de prata que me livra dos pesadelos noturnos. Com ele, degolo todos os cães negros que, sem medo, ousam afrontar a min

Recuerdos de Santiago

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                                       Pesada pedra azul lapislázuli/ blues eyes: o nectar dos meus seios escorre da tua boca                                [semi aberta] farto mel, pesado fardo de trigo nas costas das lhamas,  que correm noite adentro pelo deserto do Atacama. Passado e presente confundem-se no poente dos Andes. Com os dedos dos pés, amasso uvas,  para fazer o vinho de sua preferência, mas também desenho uma casa com chaminé e lareira, nessas areias setentrionais. Às tardes, de frente para o imenso sol amarelo, de cócoras, como minhas "avuelas", teço cestos com os mesmos trigos,  usados para amassar o pão. E, todas as noites, costumo colher uma única tulipa                   [negra] que nasce na beira dessas encostas glaciais. Me vejo no espelho dos teus olhos azuis: blues eyes, so blues. E,  com o mesmo cinzel em brasas, com

Pólvora

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  Eu, pólvora. Você, madeira seca. Explosão de flores, pássaros e pipas floridas nos céus.

Fogueira de beijos

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Tua boca encarnada. Crepitante. Mãos nos meus seios. Decote.  Tornozelos. Fricotes. Vem. Incendeia-me o corpo Com tua fogueira de beijos.