Sinos de Vento
Neste outono cinzento e frio,
dobram os sinos de vento
que você pendurou
nas varandas do meu coração.
O som adocicado,
assoprado pelo roçar dos leques
desperta a ternura dos anjos.
Em bandos, eles vêm vigiar o meu sono,
inquieto,
ou espreitar os meus pesadelos, mais funestos.
Sonho com pássaros ardendo em chamas.
Flores abrindo-se em pétalas, feridas.
Mil-cores desmaiadas
pelas aléias dos meus jardins,
mim interiores.
Uma mulher imponente, surge numa biga romana,
puxada por porcos.
Vestida de negro,
uma condenada se debruça sobre uma ossada
(clandestina)
e recolhe artelhos femures crânios
braços antebraços joelhos
Arruma-os num carrinho de mão
e sai a empurrá-lo pelas ruas de Belém,
com a indiferença cúmplice de toda a cidade.
Um homem nu, vem ao meu encontro,
montado em um cavalo vermelho
com uma máscara de canibal.
Mas o sonho mal não termina ainda:
os homens do frigorífico me arrancam nua da cama
amarram meus braços e tornozelos,
e me enfiam num varapau.
Me exibem como um troféu, balançando minhas vergonhas, até chegarem ao matadouro.
Quando erguem o machado sobre minha cabeça,
eu acordo.
Abro as gavetas do tempo
e encontro fotografias de nós dois,
irreconhecíveis e congelados,
em preto e branco.
Ilustra: K. Murakamy
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