Requiém para um poeta e seu cavalo branco



 N'oubliez pas votre cheval - by Lisa G.



Pedra azul.

Ajoelho-me diante de ti e te sinto fria.

A noite pega-me pelos cabelos e arrasta-me até o centro da Terra.

De ti quero somente esse beijo com o gosto gelado da morte,

o andar trôpego de bêbado a embarafustar-se por latas de lixos

e pesadelos alheios.

Noite cega. Ponte de nós.

Que nada somos. Estrelas cadentes de nós mesmos.

Nesse ritmo melífluo, luzes ofuscantes de neóns embaralham-me a visão,

enquanto singro todos os asfaltos molhados.
Não encontro o pote de ouro, no fim do arco-íris.

 Destonado. Destronado. Desfigurado.

Espreitam-me as flores de um buquê já murcho,

cansado de exalar o perfume dos rododendros.

 Pálidas velas desvelam o meu cadáver ambulante.

Caminho, cambaleante, com um archote aceso na mão esquerda.

Na mão direita, trago o punhal de prata que me livra dos pesadelos noturnos.

Com ele, degolo todos os cães negros que, sem medo,

ousam afrontar a minha santidade.

Miro-me no espelho das tentações e me descubro nua. 

Eu, que já não sou virgem, não me conformo com este corpo sangrando,

singrado de mares, estradas, ruas, quarteirões.

As cidades inteiras acendem suas luzes e vêm espiar os infindáveis continentes que se desenham em mim.

Um mapa geográfico de emoções, dobrado em formato de bolso.

Para ser comprado em qualquer esquina do tempo ou das estações:

_ primavera, verão, outono, inverno.

Inverno: eis a minha marca registrada.

Comprem-me agora. E paguem em suavíssimas prestações.

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