Medusa Abandonada


                                                                                      (Para Rosangela e Evandro)

Meus cabelos enovelados de Medusa 

cresceram em todas as primaveras

em que não me habitastes

com seu perfume de amaranthus.

Os pássaros que se aninhavam em meus galhos,

perderam suas moradas  

e se desnortearam, sem destino,

sem leste ou oeste.



Eu te esperei à barranca do rio,

tecendo tapetes para enfeitar tua nova morada,

cerzindo tuas roupas, 


limpando peixes,

cultivando um jardim 


(imaginário) 

de margaridas.


Todos os dias te vislumbrei,

vestido de vermelho, amarelo e rosa,

chegando em cada por-do-sol

que contemplei de minha janela,

com olhos rasos de lágrimas.


Via sua barca solitária, 


apodrecendo, docemente,

sem nenhum lamento, 


desde sua última partida,

às margens do rio caudaloso.



Não viestes.


Mais uma vez, quebrastes tua promessa

de visitar-me na chegada da primavera.

 O filho que juntos – não geramos – soluça

à minha porta, todas as madrugadas.

Dos meus seios escorrem o leite farto

que não irá alimentá-lo,

enquanto não atravessarmos o umbral  

que separa o ódio do amor.

Panorama, São Paulo.
Setembro, 2013.

Comentários

Anônimo disse…
Belísimo poema que retrata a dor de uma mulher -- sempre elas -- à espera do homem que lhe fará um filho, mesmo que isso signifique mais sofrimento e angústia em toda a sua existência. Mulheres nascidas para gerar os filhos do amor, mesmo que seja um amor imaginário, como o jardim de margaridas que a mulher cultiva, no terreno profícuo do seu coração. O seu poema, Marisa Sevilha, fala da realidade cinzenta de homens relegados ao mais completo abandono e solidão, empurrados pela vida para uma cama de hospital, uma cela de cadeia, ou mesmo o chão batido de uma cova rasa,num cemitério, cavada pelo desespero de um suicida. Enquanto isso, sem saberem de seus destinos trágicos, suas mulheres os esperam, eternamente, como esta sua belíssima medusa, presa ao seu eterno e pavoroso abandono.
Não sei quem vc, mas seu comentário ao meu poema, me fêz chorar...

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