ÚLTIMA MORADA


A morte te salva no último dia do ano,
 de um leito de hospital.
Te veste com  as túnicas transparentes
  de tua adolescência,
te penteia os cabelos sedosos,
agora brancos,
e os enfeita com cachos de primavera.

A morte te pega pelas mãos
e te convida para um último passeio,
pela cidade que te viu nascer:
passeiam de mãos dadas pela Av. Paulista,
sob uma chuva de fogos
de artíficio.

Sentem a respiração ofegante  dos últimos atletas
da São Silvestre.
A mesma cidade que não sentirá mais a palma dos seus pés macios,
a pisar-lhe a alma de leve,
desmaiada sobre parapeitos
de janelas abertas,
nas madrugadas insones.

Agora, levitas nas asas do vento,
 aspiras ao cheiro dos ipês roxos,
floridos só para a tua passagem.  

Negra é a noite que se descobre, pra te acolher no seu leito pétreo.

Seus cabelos sedosos são soprados para sempre,
                   es pa lha dos
pelos quatro cantos da cidade,
  que te embalou
no teu berço-árvore,
para onde te recolhes,
 agora,
na eternidade de tua  última morada.

Morte e vida são irmãs gêmeas,
que se olham no espelho.

Infinitamente.

São Paulo, 31 de dezembro de 2013.

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