O silêncio dos grãos
Para Neuci Lima, in memorian
O anjo continua lá fora
sentado à cabeceira
do meu túmulo.
Vigiará as minhas horas para sempre.
Aqui embaixo é tudo escuro.
Os meus cabelos cresceram e se enraizaram na terra.
Sinto o gosto de cogumelos frescos
que crescem no céu da minha boca.
O meu corpo desliza
pelos profundos oceanos da terra.
Nave interestelar que se perdeu de sua galáxia.
Ainda sonho com teu beijo sequioso
com gosto de morangos frescos,
após o jantar.
O prato de lentilhas fumegante sobre a mesa.
O pedaço de pão apoiado na borda do prato.
Os talheres dispostos,
sempre do mesmo jeito:
uns sobre os outros,
a indicar o desejo escondido entre os grãos.
O silêncio dos grãos.
As mãos caladas de adeus. E de carícias. Inertes.
Ainda sinto a volúpia dos teus braços
enlaçando-me a cintura.
Agora, as corujas piam no horto dos chorões,
que sombreiam as fileiras de túmulos.
Meu corpo apodrece
e minha alma pagã não descansa.
Penso nos teus lábios viúvos.
Carentes dos meus.
E choro.
E choro.
Imagem: Zhao Chun
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