Os cabelos das horas





Eu puxo as horas do relógio, pelos cabelos,
e assopro a lamparina do quarto.
Um resto de luz bruxuleante
desenha figuras dançantes nas paredes nuas.
Fantasmas antigos teimam em me acompanhar, desde menina.
Chamava minha mãe gritando "mãe, oh! mãe, a pretinha da lamparina quer me pegar" .
"Pega não, fia, pega não."

Ainda ouço os gritos das almas penadas, presas nos umbrais.
Tento tocá-las com as mãos em cruz, mas meus dedos descarnados
não mais atravessam as paredes frias,
deste quarto solitário.

Derrepente, um chafariz se abre no teto
e uma revoada de cisnes azuis
vêm banhar-se nas àguas da madrugada.
Molhada, eu me olho no espelho
e me enfeito com colares de estrelas e sementes.

De peito aberto, enfrento os ouriços do mar.

Peixes espadas mordiscam minha cauda de sereia.
Mas, o meu canto, a muito tempo ficou mudo.
Nenhum pirata ou marinheiro,
jamais se perderá no mar bravio
subjugado pelo som das minhas insones cítaras.

Em vão, espero pelo deus titânico das marés,
skywalker das mais longínquas galáxias,
que jamais voltará!!!

Poema: Marisa Rodrigues

Imagem: Christian Chloé


São Paulo, dezembro de 2006.

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