GÉRBERAS DESBOTADAS




As gérberas insistem em nascer entre as saias das samambaias, mas crescem desbotadas, sem o abraço do sol. Eu, mensageira da agonia, perambulo  pelas ruas da cidade onde o sol nunca nasce, nem se põe. A cidade das trevas, das cercas de arames farpados nas janelas, de onde crianças deixaram as marcas de suas mãos, agarrando-se  ao último fio de cabelo de suas mães, antes de serem lançadas no espaço.  Cidades de cruzes e túmulos de soldados que nunca viram uma guerra de perto, pois lhes bastam a queda de braço com o cotidiano.  
Cidade de muralhas invisíveis aos olhos nús, mas que impedem a passagem até dos seus próprios fantasmas. Eu, passageira deste trem da agonia, descarrilho entre os vãos e desvãos da memória, tentando encontrar uma só réstia de luz, onde os meus olhos possam descansar, antes de fechá-los para sempre. Mas o labirinto da cidade que habito não tem porta de saída. Só de entrada.  Como eu, encontro outros  que perambulam nessa vastidão negra, tateando portas e paredes desguarnecidas de chaves. Das fechaduras, pendem cadeados enferrujados e inertes.  Signos macabros da desilusão.

Ilustra: Tom Bagshow

São Paulo:

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