Será que chove?

 
Imagem: Loni Jover


Voce  me disse que se sentia um guarda-chuva, desses que ficam esquecidos, pendurados atrás da porta, até que alguém se lembre deles, somente, diante de uma tempestade. Mas quem se deixou transformar neste guarda-chuva velho, rasgado, com varetas tortas e o cabo quebrado, foi você mesmo, quando não percebeu que manteve as pessoas chupinhonas ao seu lado, mesmo depois de ter se decidido por começar uma vida nova. Vc desenhou o roteiro, sonhou com a viagem, comprou as passagens mas, se esqueceu de, na bagagem, levar apenas o que iria usar neste novo lugar. Encheu as malas de tralhas dispensáveis, que já não usava mais, há muito tempo, que só te aborreciam, mas das quais não conseguia se desapegar, apenas pelo hábito de vê-las, estar em contato com elas, todos os dias. Isso acontece com as pessoas que ocupam uma boa parte de nossas vidas, também: se chegar um dia em que elas se transformarem em móveis, utensílios, quinquilharias e inutilidades, passou da hora de dizer adeus. Claro, pessoas são pessoas, e não se pode simplesmente dar-lhes com a porta na cara, especialmente, daquelas que fizeram parte das nossas vidas, que se deitaram conosco na mesma cama, durante anos, que dividiram os mesmos lençois, o mesmo banheiro, e até, muitas vezes, a mesma escova de dentes. Lembra-se de quantas vezes isso aconteceu?Sim, isso acontece com todos os casais que vivem juntos por muito tempo e comungam de alguma cumplicidade. Porém, não é mais possível continuar com essa farsa,  quando o amor se vai, o respeito, a consideração, o tesão, a paixão, e principalmente, o diálogo e até a amizade. Mas, e  a coragem de se levantar da cama, no dia da partida, e sair batendo a porta, sem nunca mais olhar prá trás? É essa coragem que nos falta, e nos obriga a viver essa vidinha modorrenta de guarda -chuva imprestável e pendurado atrás da porta. Vai que chove, né???

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