Não quero ir, não quero ficar

                                                                           

                                                                                Para Carmem Quartim Madia e Lilian Shimizu
Meu corpo inteiro dói. As horas não passam.
Mastigo dentes, com gosto de raízes do tempo.
Gosto de terra crua. Chão batido.
Um vento uivante e um lobo me espreitam,
na esquina da rua.
A casa rescende ao cheiro de jasmim.
As pétalas reascendem seu aroma fantasmagórico,
mesmo mortas.
Não quero ir, não quero ficar.
O dia não passa. Arrasto correntes.Estico rugas.
Prendo um sorriso trôpego,
na cara amassada.
Nas orelhas rasgadas, um par de brincos.
Enferrujados.
Nada nos bolsos.
Nenhuma artimanha ou subterfúgio,
nas gavetas do criado mudo,
resiste as manhas do tempo e seu coelho maluco.

Quebro espelhos e todos os relógios do mundo.

O tempo não pára. E não passa. Se arrasta.
Me arrasto. Fico de quatro. De cócoras.
No quarto escuro que me habita,
encontro uma menina desamparada.
Chorando. Sozinha.
É a cigana que se perdeu de seu povo.
Não tenho casa, nem endereço, nenhuma morada.
Só o mundo, vasto mundo, por testemunha.

E agora, Drummond, e agora?
Nem prá China eu quero ir mais,
pois lá, também, já não se fazem mais uniformes.
Não quero ir, não quero ficar.
Meu corpo inteiro dói.
As horas não passam.
Se arrastam.
Puxo o relógio pelos cabelos.

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