As àguas revoltas da vida me envolveram em seu torvelinho denso de troncos e raízes arrastados pelas mãos descarnadas do tempo. -- esse sádico maestro de sonhos que teima em descosturar as malhas da ilusão entretecidas, sempre, ao cair da tarde na longa espera, à porta da casa. Ajoelhada em volta do fogo fico à espreita das labaredas, que vêm lamber as brasas. Os cabelos emaranhados da noite. Os lençóis desmanchados em suor e sangue. A desdita do trabalho em vão. As pérolas e seus colares atados de nós. O nascente e o poente que não mais querem brincar de esconde-esconde no desorizonte. As rugas dependuradas na face. O olhar de peixe morto. Um bater de asas. Portas e janelas da casa. Fechadas.
Para Patricia Claudine Hoffmann e Cy Claudel À espera de algum milagre, descasco as nêsperas no prato, descanso a faca e me delicio com a polpa que ainda trás um aroma de quando foi flor. No limiar da escada, tropeço em ossos alquebrados dos que pararam no caminho. Destravo portas e janelas, para respirar a noite. Tenho relíquias intangíveis no peito. Um terço centenário que foi do meu pai, ficou anos pendurado sobre a imagem do Sagrado Coração, pendurado na parede do quarto, até que alguém o surrupiou. Levou a peça, mas não a lembrança. Tem gente que acha que pode assaltar corações, caixas de memórias, cofres de emoções. Não pode. À sombra da árvore do esquecim...
mergulho em ti na noite rosa e retorno à tona com minha boca cheia de escamas dos peixes líquidos, engolidos a cada amanhecer: lençóis de algodão, umbigo oleoso & piercing inflamado teu corpo se desenrola prá mim em pergaminhos de tatuagens florzinha passarinho dragão São Jorge anjo foice martelo os desenhos flanam na superfície da sua pele e desembarcam nas planícies ao sul de Creta; como um Ulysses cansado da guerra, você dorme enrodilhado em concha, sonhando com o ventre de Vênus. no outro dia, o bárbaro se levanta disposto a navegar os mares bravios, outra vez. beija-me os mamilos, e deixa-me outra vez à espera dos peixes líquidos, de escamas coloridas que virão do fundo do oceano, enroscar-se nos meus lábios-anzóis, onde tatuei a palavra boca Imagem: Alessia Ianetti
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