Eu sempre esqueço o chapéu


(Eu e Regina, a pianista, num sarau de poesias no Reveillon, na Pousada De Camburi. Presente antecipado de aniversário!!!!!!!!!!!!)

Vou à praia, mas sempre esqueço o chapéu.

Enquanto caminho, fotografo folhas secas, meus passos na areia,
troncos apodrecidos, trazidos pelas ondas.
Mar. Montanhas. Pedras. Céu.
O homem do violoncelo não veio ontem à noite.
Parece que se perdeu em devaneios,
com a bailarina dos sete véus.
Reunidos em volta da fogueira, cantamos e dançamos.
Chamamos chuva.
Olho-me no espelho e arrumo a flor
que brota entre os meus cabelos.
De manhã, ela já é uma trepadeira
e cresce pelos meus muros interiores.

Eu sempre esqueço o chapéu.


Espio pelo buraco da fechadura e descubro
a enxadrista trancafiada lá dentro, no alto da torre,
Enquanto o bispo foge com a rainha
montado no cavalo branco.
O rei está nu e se ajoelha diante do peão.
Emudecidos. Um diante do outro.
O guerreiro entrega-se ao destino do arco.
Cabeças rolam pelo tabuleiro.
Sob uma fraca luz amarela
a pianista dedilha acordes de La Violetera.
A poeta declama versos. Joga pérolas aos poucos,
à platéia pétrea.
A moça das sandálias romanas ensaia um dueto com a DJ. Ela, a atriz, pousa o taco sobre a mesa,
despe-se, sensualmente, de sua máscara
e vem espiar a festa.
Dois prá cá, dois prá lá. Um passo em falso e a valsa é falsa.
Pocahontas aparece vestida para matar. Caras Pálidas.
Um grito ecoa no meio da mata. Os sapos martelam seu desejo de acasalar nessa noite densa. Os vagalumes distribuem luzes, às tontas. Botam lenha na fogueira. Corujas e pirilampos batem asas em coro. Música, mais música, cantam os louvadeuses.
.
Taças tilintam um brinde para um ano novinho em folha.
Mas, para mim, este ano, tem mesmo é cheiro de toalhas guardadas
nas gavetas do tempo.



OBS. Este poema foi inspirado neste final de ano, entre um Cruzeiro de Natal e o Réveillon em Camburi. Agradeço a todas as pessoas que, sem o saber, participaram dessa collage de imagens poéticas: Eliane ( enxadrista I), Edna, minha amiga querida, Wagner (o “dono da festa”), Sofia (vestida de Pocahontas), Regina (a pianista), Karina (a DJ), Marina ( enxadrista 2), Frederico (o pai), (Paulinha, a bailarina dos sete véus), a moça das sandálias romanas, que se esqueceu de me dar seu cartão, o Kito, com sua presença quase ausência, de tão diáfana. E ainda, ao Philippe, que, mesmo sempre tão longe, é o maestro dos meus insolentes solilóquios.)

Comentários

Philippe disse…
Marisa:

This is a beautiful poem, which is full of colors, as with all your poetry. If it were a painting it would be more figurative than surrealist, with a dash of romanticism. In this special occasion of your sarau, all your friends were with you (even the one far away...) to appreciate the music you make with words. I can see from here the words and the notes dancing in the air.

Mil beijos,
Anônimo disse…
Querida Marisa!
Cá estou eu novamente absorto em devaneios sempre q leio seus poemas.Doce noite q pude vê-la recitar naquela taberna escura;era verão de 2008 e nunca esqueci.
Espero ouvi-la novamente e poder conversar com vc como fizemos no albergue de Camburi.
Um forte abraço!
Reynaldo
P.S: Fiz 41 no último dia 19 de janeiro e tive mais um conto publicado em livro.

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