As àguas revoltas da vida me envolveram em seu torvelinho denso de troncos e raízes arrastados pelas mãos descarnadas do tempo. -- esse sádico maestro de sonhos que teima em descosturar as malhas da ilusão entretecidas, sempre, ao cair da tarde na longa espera, à porta da casa. Ajoelhada em volta do fogo fico à espreita das labaredas, que vêm lamber as brasas. Os cabelos emaranhados da noite. Os lençóis desmanchados em suor e sangue. A desdita do trabalho em vão. As pérolas e seus colares atados de nós. O nascente e o poente que não mais querem brincar de esconde-esconde no desorizonte. As rugas dependuradas na face. O olhar de peixe morto. Um bater de asas. Portas e janelas da casa. Fechadas.
Para Patricia Claudine Hoffmann e Cy Claudel À espera de algum milagre, descasco as nêsperas no prato, descanso a faca e me delicio com a polpa que ainda trás um aroma de quando foi flor. No limiar da escada, tropeço em ossos alquebrados dos que pararam no caminho. Destravo portas e janelas, para respirar a noite. Tenho relíquias intangíveis no peito. Um terço centenário que foi do meu pai, ficou anos pendurado sobre a imagem do Sagrado Coração, pendurado na parede do quarto, até que alguém o surrupiou. Levou a peça, mas não a lembrança. Tem gente que acha que pode assaltar corações, caixas de memórias, cofres de emoções. Não pode. À sombra da árvore do esquecim...
“Porque é de manhã e tudo em ti se acalma do que termina. A neblina se inclina ao sol. Dobra-se no feixe dos teus olhos durante todo o até.” Patricia Claudine Hoffmann Ilustração: Elena Schlegel É de manhã que a sua fome de amor se acalma. Se enrola no lençol branco e dorme, recém-nascido; os raios de sol encortinam-se nos seus cílios e pincelam de dourado o quarto; e tudo em volta é silêncio e imóvel permanência, até o final dos dias. Como se o tempo não fosse o portador de ruínas, ainda que também de discernimento. O tempo que se veste de sol, durante o dia, e de lua, à noite, para se camuflar com sua idade primeva e inaugural das trevas. Entre o azul e o lilás do seu manto, eis um senhor desdentado e vestido de outono, sem nenhum pudor de suas folhas secas. N...
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