Claudia






                                               (Poema em homenagem a Claudia Ferreira da Silva, 
                                            morta e arrastada pelas ruas do Rio de Janeiro, 
                            pela Polícia Militar)




Como se fosse um animal selvagem, 
foi abatida à queimarroupa; 
enfiada no portamalas, 
feito um porco que vai pro matadouro;
arrastada pelas ruas da cidade, 
com a mesma consideração que os 
sacos de lixo não merecem. 
Seu corpo -- morto -- foi profanado
em plena via pública, ao olhar atônito
dos que passavam. 

Agora, Claudia toca sua lira 
prá fazer seus quatro filhos dormirem em paz
(e seus quatro sobrinhos, sonharem)
sem sangue nos olhos, sem revolta, 
sem vontade de revanche. 

Claudia tem parte com os anjos,
parte com os bruxos:
não é mulher que negaceia trabalho
e já chegou armada de trapo
e vassoura, pronta prá faxina na casa de Deus, 
porquê esse era o seu ganha-pão aqui na terra.
Pão que ela tinha ido comprar para os seus
meninos. 
Só não sabia que voltaria com balas. 
Não balas de borracha. Muito menos de açúcar,
prá adoçar a sua vida já tão amarga.
Balas de pólvora, que entraram no seu corpo,
rasgando-lhe o coração e as vísceras. 

Mas quando Claudia chegou no céu, 
Os anjos puseram-na prá cantar com eles, 
em seu coro celestial.

Claudia não teve o amor,
nem o respeito dos homens,
enquanto sobreviveu aqui na Terra.
Mas agora terá a eternidade
prá ser anjo também.

E velar por nós, que ainda estamos 
meio vivos, meio mortos, 
em tempos de bárbarie.

Ilustra: Ayami Kojima
Poema: Marisa Sevilha Rodrigues

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