Religião dos Jardins




Lençóis branquinhos dançavam a cerimônia do adeus,

nos varais infinitos, da minha infância.

Anil era a cor do céu,

so blue.

Adeus pai. Adeus mãe.

 Irmãos.Vizinhos.

Adeus que eu vou embora, teria lhes dito,

              [ corajosa ]

não fossem as  lágrimas ocultas.


No canto do olho, a trave.


E a dúvida, entre partir ou ficar

             [para sempre]

instalada nas tramelas das janelas.



O chão batido da cozinha.

As açucenas brancas acenando nas manhãs insones.

As coroas de cristo reverenciando  o sol do meio dia.

E a santa Ave Maria abençoando, as seis horas, o copo dágua ,

ao lado do rádio:

 “bebe, filha, bebe. A água do Senhor vai te fazer bem”.

profetizava minha mãe.



Mas o lago azul da minha infância,

Já ficara opaco no retrovisor do meu carro.

O futuro era um álibi prá fugir do presente.

Um presente onde as tardes eram sempre azuis

E eu podia contemplá-las de minhas janelas,

Abrindo-as de par em par, para a imensidão dos dias.


E, agora, peregrino sozinha pelos desertos da vida,

sem descanso,

sem parada sincera que me abrace do cansaço,

sem destino certo.

Ah, minha mãe, eu recebi o sofrimento por herança,

quando reneguei a religião

dos teus jardins.



20 de agosto de 2011, Dracena (SP)

Comentários

Marisa, sabendo um pouco da tua história, vejo que este texto tem uma carga pessoal por demais.

Como eu havia dito, li, reli e tornei a ler para conseguir visualizar esse saudosismo misturado com arrependimento. Apesar de não ter alma, acredito que consegui extrair um pouco do teu poema, não?

Beijos
Fábio, pára de dizer que vc não tem alma. Queria que todos os homens que, realmente, não têm alma, fossem sensíveis como vc!!!!!Obrigada por ter deixado este comentário lá no blog. Estou muito comovida!!!!Ao contrário de vc, que “acha que não tem alma”, prá entender poesia, mas eu tenho certeza que tem, sim, se não, não estaria nem tentando entendê-la, eu tenho a mão até um pouco pesada demais, e meus poemas , contos, crônicas e outras estórias, são sempre muito carregados de tristeza, dor, pessimismo, uma compreensão da vida que em geral, a maioria das pessoas não as têm, pq estão muito ocupadas com seus di-a-dia, e a praticidade que isso requer. Logo, elas ficam muito superficiais e acho que perdem a capacidade para entender a densidade que a vida tem. É justamente aí, nessa densidade, embora sempre muito dolorida, que eu enxergo a verdadeira beleza da vida. Mas é uma questão de tempo prá vc, Fábio: tenho certeza que vai chegar lá, tanto na sua escrita, como no seu coração.

Marisa

Postagens mais visitadas deste blog

O canto da carroça

Nésperas do esquecimento

Valsa com a morte