Você arrasta correntes, e eu quero voar.


Você arrasta  correntes, enquanto eu quero voar.  Eu sou o pássaro vermelho, o mais raro e arisco. Não me arrisco a pousar nas tuas mãos. Elas são frágeis. Mãos de louças. Mãos forjadas no leite. Mãos que se desmancham, sopradas pela areia do deserto. O meu canto é triste, mas contínuo. Vem enrredar-se comigo, embaixo das cobertas. Solte as amarras dessa trouxa frouxa. Deixa cair tudo pelas barrancas do rio. Deixa rolarem as pedras. As folhas.  Não existem emendas em minha boca. Eu assopro velas de madrugada prá deixar todos os fantasmas invadirem a casa. Varar paredes. Furar telhas. Temperar as minhas coxas com vinho e mel. De que adianta ser louvadeus, se o seu destino é ser fardo nas costas das formigas? Sou pé de carambola, mais que oferecida. Caindo de madura, mas não arredo pé da terra que abraça as minhas raízes. Eu sou aquele pássaro vermelho e arisco que não quer saber de andar em bando. Eu não me arrisco diante da tua janela. Sou triste, sim, mas quero voar.

Camburi, Páscoa, 2011.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O canto da carroça

Nésperas do esquecimento

Valsa com a morte