Vou-me embora para Pasárgada




Lá, nas horas largas e fugidias,
enquanto a rainha se atormenta
com cremes, espelhos e rugas,
eu tenho todos os homens do mundo,
embaixo de minha janela,
me fazendo serenatas
e me chamando de “Bela, oh! Bela”,
mesmo que eu me sinta a pior das criaturas,
mesmo sendo eu esta besta-fera.

Lá farei um enxoval interminável
na doce companhia de Helena,
e, ainda que meus dedos, de tão toscos,
já não caibam mais nos dedais,
lá isso não tem nenhuma importância,
pois o tempo não passa em Pasárgada.

Lá, tudo permanece, para sempre.
O feio é feio e o belo é belo.
O bom e o mau convivem,
e ambos não se aniquilam,
nem duelam.

Em Pasárgada posso dar longos passeios de bicicleta,
muito bem acompanhada pelo poeta
Lá, jamais esquecerei do chapéu,
que me cobrirá do sol,
ardente e arfante,
como os seios de Eleonora.

As tardes, sentar-me-ei à beira das sete fontes
e encherei os meus jarros dágua,
para com elas matar minha sede,
molhar meus lençóis, e me refrescar à noite.

La esperarei
{sem pressa}

a chegada do guardador da lua,
do amansador de burro brabo
e do navegante errante.


Poema premiado e selecionado para a Antologia Comemorativa dos Cem anos do poeta Manuel Bandeira, organizada pela editora Litteris - RJ, em 2009, e lançada durante a Flip - Paraty - RJ, daquele ano. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O canto da carroça

Nésperas do esquecimento

Valsa com a morte