Presente de Aniversário:

SARAU POÉTICO EM CAMBURI, LITORAL NORTE DE SÃO PAULO





Ao piano, a bluezeira e promoutér do "aniversarau", interpretando Chopin






No dia 18 de Janeiro, comemorei meu aniversário em Camburi, litoral norte de São Paulo, mais especificamente, na Pousada Hostels Internationnal, que faz parte de uma franquia de – albergues -- , é isso mesmo, que vc entendeu. O negócio cresceu muito no Brasil, e os albergues (que eram da juventude), agora é de gente de todas as idades, desde que seja descolada. Além de muito bem localizado, perto de todas as praias mais lindas de São Sebastião, acomodações limpas e confortáveis, a pousada fica dentro da Mata Atlântica, com trilhas e cachoeiras, praticamente, no quintal. Além disso, eles criaram um Centro Cultural, um espaço supercharmoso, que, na verdade, durante o dia, é o atelier do artista plástico Wagner, da família dos proprietários do albergue Camburi. E, à noite, transforma-se num local muito bacana, onde os hóspedes extravasam seus dons artísticos como cantores, músicos, e, no meu caso, poeta. Como acabei conhecendo gente superdescolada como a médica Mabi, seu irmão Zuza – ambos poetaços, de primeira linha -- , não tive outro jeito, senão o de me dar este presente. Com direito à músicas de fundo como Chopin e Bach, ao piano, com Regina, e violoncelo, com o Homero. Com vcs, abaixo, os poemas apresentados no Sarau, ou, para usar palavras da Mabi, “aniversarau”. Adorei!!! Poderia ter ganho melhor presente ? Inesquecível, simplesmente.





1


The Blue Woman

Todos os dias
levanta-se bem cedo
a mulher azul.

Seus braços longos
são janelas
que ela escancara
sobre a imensidão
oceânica do mar.

Do seu púbis róseo
ela retira um ramalhete
de delicados copos de leite
e, ao gesto eflúvio,
de trancáfiá-los no vaso
sobre a mesa,
as flores pássaros
alçam vôo
janela afora.

A mulher azul
veste-se com longas
e leves transparências
de nuvens,
enquanto aguarda, lânguida,
as carícias do sol
sobre seu corpo blue.

A mulher azul
refresca-se nas cachoeiras
da lua,
tendo como dama de companhia
a eterna noite negra
que lhe serve,
em pequenas doses,
doces cálices de fel.

O tempo,
fiel cavalheiro da mulher azul,
senta-se ao seu lado
retira-lhe, de seus dedos longos,
os dez anéis
que ela traz consigo,
atados,
desde o seu fatídico nascimento.

Um a um,
são desatarraxados,
os cruéis talismãs.

Enfim, livre,voa
a mulher azul.



2

As cerejas vermelhas dos cafeeiros,
__ carregadinhos __
eram flores que meu pai bordava
nas franjas do amanhecer!!!

3

Não mais poderei encher o jarro
Com as águas fluídas do lago.
Ajoelhada as suas margens,
Assusto-me com minha imagem
_túrgida, fugidia—
O buquê de lírios brancos
Caem dos meus braços
Ressequidos.
Como as águas secas do lago
Foi-se embora o frescor de Eleonora.


4
Caixa de Pandora
Abro a caixa de Pandora, e, nela, não encontro, senão pérolas,
tão mortas, que nem aos porcos as atirarei,
nesta manhã ensolarada de maio.
Não me resta nem mesmo um álibi. Dobrado como bilhete esquecido,
escrito em um guardanapo qualquer...
O Japão é tão longe daqui, e as heras que crescem por lá,
não crescem no meu jardim de inverno.
O chá preto esfria na xícara e o charuto apagado,
ainda guarda as marcas dos teus lábios grossos.
Morrer é tão doce e cruel, que não cometerei haraquiri,
por um crime que não cometi.
Quero, sim, cortar os pulsos, docemente,
e deixar o meu sangue escorrer, pelas frestas do meu corpo
Abertas para a tua passagem. Ainda que secretas.

5

Ritual de Despedida

Dispo-me da camisola com um rabo de sereia
e atiro-a ao vendaval dos cães noturnos
das calçadas e vielas podres.
O óleo velho do candeeiro
exala um odor de múmias pétreas
e nega-se a qualquer sinal de luz.
O faroleiro preso no alto da torre
tenta encontrar o rastro do navio negreiro
desaparecido na noite densa dos temporais.
Gigantescas ondas engolem restos de homens, peixes e luas.
Na Terra Prometida, os filhos de Adão e Eva
não suportarão os horrores do pecado original.
Hordas de viajantes tracejam um caminho de ponto-em-cruz
nos desertos mais longínquos do Grande Oriente.
Com as mãos em conchas
Recolho seixos, estrelas e cavalos marinhos dessas areias movediças,
e prego-os, um a um, na barra da saia acetinada
que usarei na noite cigana.
Da árvore da vida, colho os pássaros verdejantes,
E com eles, monto um colar de contas, cantos e contos.
Com ramos de Angélica, sutil perfume,
entreteço uma coroa de flores roxas
a enfeitar-me os longos cabelos
emaranhados e brancos
que agora brotam nos desfiladeiros e penhascos
de mim, interiores.
Se me visses, assim, vestida,
não me reconhecerias mais
pois as janelas brilhantes dos teus olhos verdes
não mais guardam a imagem do anjo caído do céu
que segurava nas mãos pequeninas
o rabo de uma estrela cadente.
Não, tu não mais me reconhecerias.
Andarilha que sou,agora,
perseguindo os passos dos que partiram
antes de mim,
nessa jornada de mapas perdidos
e candeeiros desluzados.
O fim do mundo será apenas um soluço do universo.
Não, comigo, não te preocupes.

6.

Exibo a flor roxa nos cabelos
e retiro, dentre os cachos, uma carta do Tarot.
O carro. O destino.
Nunca acreditei no meu destino.
Preferi o livre arbítrio e estraguei o filme da minha vida,
editado, desde que nasci.
E agora, a quem pedir socorro,
se os soldadinhos de chumbo da minha infância
eram gomas de mascar???
Não necessito mais do pente,
nem da penteadeira.
Os meus cabelos longos e louros,
foram-se com os anos.
Poderia ensaiar o teatro do absurdo
com a cantora careca
mas, nesse baile de máscaras,
não entro nem como penetra.
Pernas, braços e tronco,também se foram
Juntos com tantos descaminhos
trilhados sem rumo, sem norte,
sem sol nascente ou poente.

Só uma lua minguante teima em brilhar no meu céu.
Da boca, escorre um filete amargo de sangue.


7

Estou vegetalmente seca.
Logo serei introduzida
na fornalha ardente em que me transformei
desde o ato da criação.
Devo ser queimada viva,
dentro das minhas fumegantes entranhas.

Recuso!


Quero, sim, cair do galho,
estreptosamente, flor de semente,
e beijar, cálida, a terra-mãe,
intumescida.
E fecundá-la como antes.
E desfazer o nó-gravata
das asas da borboleta...



8

Lágrima Azul

A lágrima é azul e escorre pela face do palhaço

desapontado.
Da ponta do dedo escorre um fio de sangue.A dor é imensa e não cabe no dedal. Eu puxo as horas do relógio,pelos cabelos,e assopro a lamparina do quarto.Um resto de luz bruxuleante desenha figuras dançantes nas paredes nuas.fantasmas antigos teimam em me acompanhar, desde menina.Chamava minha mãe gritando "mãe, oh! mãe, a pretinha da lamparina quer me pegar" ."Pega não, fia, pega não."Ainda ouço os gritos das almas penadas, presas nos umbrais.Tento tocá-las com as mãos em cruz, mas meus dedos descarnadosnão mais atravessam as paredes frias,deste quarto solitário.Derrepente, um chafariz se abre no tetoe uma revoada de cisnes azuisvêm banhar-se nas àguas da madrugada.Molhada, eu me olho no espelhoe me enfeito com colares de estrelas e sementes.De peito aberto, enfrento os ouriços do mar.Peixes espadas mordiscam minha cauda de sereia.Mas, o meu canto, a muito tempo ficou mudo.Nenhum pirata ou marinheiro,jamais se perderá no mar braviosubjugado pelo som das minhas insones cítaras.Em vão, espero pelo deus titânico das marés,skywalker das mais longínquas galáxias, que, eu sei, jamais voltará!!!


9


Fotografia
O irmãozinho morto
com seus olhos verdes, muito abertos,
era apenas uma fotografia,
que mamãe guardava


entre lençóis de linho
e vestidos plissados de faillete.


10


Diferenças

O mar que me atinge
Não é o mesmo mar que te atinge.

O meu mar chega de mansinho,
tem longas cabeleiras brancas
e deita-se comigo
nas praias do abandono.

Nas areias interiores de mim,
ele me salga a pele, me corta em tiras,
profundas e vermelhas,
e me oferece ao sol em holocausto.

O sol que me atinge
não é o mesmo sol que te atinge.

O meu sol me acorda todas as manhãs
com muito brilho e cor,
me traduz as manchetes dos jornais
toma café comigo,
me doura a pele
e me oferece à noite em prostração.

A noite que me atinge
não é a mesma noite que te atinge.

A minha noite é perfumada
veste-se com camisolas vermelhas
pinta os lábios de carmim,
beija todos os homens do mundo,
é vagabunda e profana.

Meus verões incandescentes
vão à pique nas fronteiras geladas
do teu continente.

Grandes diferenças nos separam:
você é de neve e de paz,
de sorriso e festa.
Eu sou a que não presta...

11


Memórias da Sede
Esse teu olhar oceânico
me desarvora.
Não sei se rio, pulo ou canto;
se mergulho fundo
na fonte dos meus desejos
ou se me desembesto
mundo afora.

Esse teu olhar
de peixe morto
me descortina um mar
de sonhos recônditos,
mas também de prantos.

Não sei se me deixo
emaranhar na tua rede
abraços,
se me refugio
na tua fortaleza atávica
ou se mergulho
fundo
nas incertezas de mim.

Mas, se eu fôr embora,
deixe-me, antes, encher
o meu cântaro
com tuas águas fluídas.

Para que com elas,
eu possa banhar o meu corpo
e, reavivar em mim,
a memória de tua sede.

12

Tarde amarela

Na tarde fria de julho
o sol, preguiçoso,
brinca de despetalar
os indefesos ipês amarelos.

Mudos, porém, enfeitados,
os paralelepípedos ressentem-se
com as estrepolias do sol.

À queda de cada flor
o vento exala um suspiro triste,
mas tão macio,
que as pequeninas, mortas,
parecem apenas repousar
no infinito longo da tarde
--amarela.


13

Bolhas de Sabão
Uma miríade de trilhas
se apresenta nesta fria manhã de julho,
diante dos meus olhos fundos:
frágil leque de caminhos
que não quero percorrer,
se impõem, girândolas loucas,
frente a minha estupefata vontade.

Debulho-me em lágrimas
e pastilhas de Buferin,
dissolvida num coquetel horroroso
de remédio e dor.

Bolhas de ar sobem do meu copo,
já vazio.
Num caminho de olhos líquidos,
em sentido ascendente,
as multicoloridas gotas espatifam-se
no encontro
com o vidro da janela.

Puxo as cobertas e tento dormir, novamente...


14

A flor do vômito trouxe à tona
[e consigo]
o sal da terra.
As espigas amarelinhas
agradecem ao sol verdejante
sua dádiva de luz.

Só eu não consigo mais
ouvir os acordes
do velho sanfoneiro
que espantava os pássaros
ao amanhecer.

Do espantalho embrutecido
[no milharal]
sobraram apenas os olhos
_ grãos de milho _
dois faróis acesos
em noite de lua cheia.

A voz tonitroante do trovão
anuncia a era das chuvas
nas terras de março.
Os homens carregam rápido
seus balaios cheios de ouro,
enquanto eu conto os pingos grossos
da chuva doce, lavando-me a alma
molhando-me a roupa,
grudando-a no corpo,
pele subreptícia.

Não sairei na janela do quarto
nesta noite molhada,
sem estrelas, nem jasmins.

O cheiro agridoce das jaboticabeiras
abre-me as narinas e desperta o desejo.
O cavaleiro branco não virá
nesta noite fria, com seu chapéu de lado
e um cravo vermelho na lapela,
ensanguentar-me a cama,
aquecer-me sob os lençois
bordados com ponto-cruz.

O nó cego da linha
desnorteou a agulha e o dedal.
O resultado foi um rio vermelho
desenhando flores vivas
no enxoval interminável
que preenche minhas noites frias,
enquanto os animais gemem no curral.

“Tem milho cozido, cural, broa, pamonha.
Sua cesta está pronta para a feira, Antonietta”.

Vó Ana trançou os cabelos brancos
em volta da cabeça.
Com o tempo, foi pendurando o espelho
cada vez mais alto, na parede do quarto:
_ esperto subterfúgio_
para não ter que encarar as rugas,
essas fiéis companheiras de rostos já velhos,
braços cansados, pernas alquebradas
e mãos secas.

Ergo-me na ponta dos pés
para ver meu rosto neste espelho fugidío.
Quanto tempo terei permanecido assim?
Minutos, anos, séculos, talvez...

De repente, o buquê de flores do campo
está murcho nas minhas mãos.
Desde quando não vejo mais o moço
do cavalo branco?
Há quanto tempo não confiro as peças
do meu enxoval, guardadas uma-a-uma,
com bastante naftalina,
que é para não serem comidas pelas traças?

O sanfoneiro que costumava fazer serenatas
na minha janela esqueceu-se de vir, mais esta noite.
Aliás, há quanto tempo ele já não vem?
No meu jardim de trepadeiras,
apenas ela, a lânguida rosa vermelha,
sente-se intumescida com a lágrima
que escapou _foi sem querer, eu juro! _
dos meus olhos secos.
Ela estica seu pescoço fino e espinhudo
e vem até mim, roçar-me as faces
com suas tênues pétalas.

O licor de casca de abacaxi avinagrou
e o moço do cavalo branco
não apareceu mais.
Sirvo-me de um cálice deste licor azêdo
e brindo à vida das minhocas
que cavam seus túneis, na escuridão da terra...


15.

Da última vez que nos vimos
nada tínhamos para nos falar:
singrava ruínas,
subia paredes.
Destronar reis
era tarefa de bedel.
Eu tinha perdido
o mapa do seu peito.

16.
Dor latejante.
Ampulheta implacável,
marca as horas amargas da agonia.
Desejo de comer jabuticabas no pé. Criança. Descalça.
Saias levantadas acima do joelho,
trepava em árvores enormes.
Sem raízes. Tocando o céu.
O mel do fruto doce escorrega
pela minha garganta. Aberta. Dilacerados.
Gritos de horrores no quarto.
O pai e a mãe em posição de cópula.
Das pernas abertas da mãe,
brotam as raízes da Terra.
Os galhos riscam fósforos e estrelas no céu.
Dos seios da Via Láctea escorre o leite
que alimenta o mundo.


17


O secreto aposento do Barba Azul

Pulei a janela da noite
e me refugiei embaixo
do galinheiro.

A flor vermelha do cactos
era tão exuberante
que eu fiquei cega,
por alguns instantes.
Adentrei pela escuridão
percorrendo desertos gelados,
paisagens frias
e cheias de cruzes.

O lagarto amarelo
pousou no meu ombro
e durante dias e noites
foi meu fiel companheiro
de intermináveis jornadas.

Em bosques exóticos
cavalguei cavalos enfeitados
com flores e sinos nas baldranas.
Com a ajuda dos duendes
e reis destronados,
teci rendas e redes,
com minhas mãos descarnadas
e agulhas enferrujadas.

Tentei abrir todas as portas
do velho castelo,
e elas se desmoronavam
antes que se completasse
o círculo da chave.

Não vi os esqueletos dependurados
no quarto escuro do Barba Azul.

Com teias de aranha
tricotei uma malha
para aquecer-me
nessa caminhada solitária.
Mas, em farrapos, ela já não mais consegue cobrir
os meus ombros nús,
os meus seios nús,
os meus sonhos nús.

Minhas mãos postam-se em oferenda
e caio de joelhos.
No jogo da amarelinha
o céu era a quinta casa.
Cambaleante,
refaço esse estranho percurso infantil
Mas não consigo mais encontrar
a chave da quinta casa.

A chave pequenina,
com arabescos,
é a que abre o aposento proibido,
onde cabeças decapitadas
e corpos esquartejados
gotejam suas últimas lágrimas
de sangue e sal.

Não devo abrir este aposento,
avisou-me o Barba Azul,
antes de sua partida.



18


A mulher de Lama

Para Clarissa Pinkola EstéeS
É doce o sorriso da mulher de lama,
que se levanta do lago.
Das águas profundas, emerge a estátua de barro,
com seu leque sagrado,
rasgando seu véu de lodo e algas.
Do seu ventre, um chafariz eleva-se ao céu,
de onde os querubins descem aos pares,
vindo brincar na sua barriga de ágata.
À sombra de seus cabelos em cachos,
crescem as macieiras.
Na primavera, os botões em flor,
salpicam-lhe a vasta cabeleira
com pétalas brancas dos futuros frutos proibidos.
Soberana, a mulher de lama se levanta
do fundo do lago.
Altiva, caminha até a beira do penhasco.
Do precipício, inicia o seu vôo
de mulher-pássaro.



Camburi, 18 de Janeiro de 2008.

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