Os secretos aposentos do Barba Azul






Pulei a janela da noite
e me refugiei embaixo
do galinheiro.

A flor vermelha do cactos
era tão exuberante
que eu fiquei cega,
por alguns instantes.
Adentrei pela escuridão
percorrendo desertos gelados,
paisagens frias
e cheias de cruzes.

O lagarto amarelo
pousou no meu ombro
e durante dias e noites
foi meu fiel companheiro
de intermináveis jornadas.

Em bosques exóticos
cavalguei cavalos enfeitados
com flores e sinos nas baldranas.
Com a ajuda dos duendes
e reis destronados,
teci rendas e redes,
com minhas mãos descarnadas
e agulhas enferrujadas.

Tentei abrir todas as portas
do velho castelo,
e elas se desmoronavam
antes que se completasse
o círculo da chave.

Não vi os esqueletos dependurados
no quarto escuro do Barba Azul.

Com teias de aranha
tricotei uma malha
para aquecer-me
nessa caminhada solitária.
Mas, em farrapos, ela já não mais consegue cobrir
os meus ombros nús,
os meus seios nús,
os meus sonhos nús.

Minhas mãos postam-se em oferenda
e caio de joelhos.
No jogo da amarelinha
o céu era a quinta casa.
Cambaleante,
refaço esse estranho percurso infantil
Mas não consigo mais encontrar
a chave da quinta casa.

A chave pequenina,
com arabescos,
é a que abre o aposento proibido,
onde cabeças decapitadas
e corpos esquartejados
gotejam suas últimas lágrimas
de sangue e sal.

Não devo abrir este aposento,
avisou-me o Barba Azul,
antes de sua partida.

Comentários

Tati disse…
Poesia tem de ter verso livre. E quando ela nos leva a um certo realismo fantástico, aí sim ela se completa: nos faz outros, quando ainda somos um!
Tati, minha querida. Não como negar as influências de Garcia Marques e outros bruxos do realismo fantástico na minha poesia. E também dos surrealistas como André Breton, entre outros. Já percebi que tenho um ritmo circular que ora visita os concretos, e aí, os versos ficam enxutos, quase desaparecem...outras vezes, ficam assim, verborrágicos, quase cachoeiras, palavras em pencas, contrariando todos os que querem amordaçar a poesia em estilos, época, escolas, e que tais. É assim que ela acontece, e sou feliz, em poder expressá-la, de um ou de outro jeito.

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