Nésperas do esquecimento


                                                                                   Para Patricia Claudine Hoffmann e Cy Claudel 

À espera de algum milagre,
descasco as nêsperas no prato, descanso a faca
e me delicio com a polpa que ainda trás um aroma
de quando foi flor. 

No limiar da escada, tropeço em ossos alquebrados
dos que pararam no caminho.
Destravo portas e janelas, para respirar a noite.
Tenho relíquias intangíveis no peito.

Um terço centenário que foi do meu pai,
ficou anos pendurado sobre a imagem do Sagrado Coração,
pendurado na parede do quarto,
até que alguém o surrupiou.

Levou a peça, mas não a lembrança.

Tem gente que acha que pode assaltar corações,
caixas de memórias, cofres de emoções.
Não pode. 

À sombra da árvore do esquecimento,
fiz um jardim de lembranças de todas as cores
para capinar todas as manhãs.

Me alimento com o perfume dos que me habitam,
em tempos de cólera, ou não. 

As janelas abertas para o pomar, agora que estou morta,
já não me surpreendem.



Imagem: fotografia de ambiente francês 

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